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Post da Categoria: Saúde

Diálogos da imunologia com a nutrição

Até os anos 60 era difícil imaginar um estreito contato entre imunologistas e nutricionistas. Os estudos sobre as correlações da imunologia com a nutrição estavam em fase inicial. Apesar de saber que células plasmáticas eram responsáveis pela produção de anticorpos, não era clara a relação das mesmas com linfócitos circulantes no organismo. Muitas dessas descobertas vieram dos trabalhos do pesquisador e imunologista Nevin Scrimshaw que, por meio de pesquisas realizadas com modelo animal, documentou uma pequena relação entre doenças infecciosas e a desnutrição energético-proteica (DEP), condição muito prevalente nessa década (1).

Depois, entre 1980 e 1990, estudos em humanos começaram a crescer e foi consolidada a identificação e importância de citocinas como interleucina-1 e sua função mediadora na resposta autoimune contra invasão bacteriana, inflamação, infecções e lesões teciduais, bem como da interleucina-6 que induz células B a iniciarem a proliferação e diferenciação de células formadoras de anticorpos. Esses estudos salientaram a evidente interação entre os nutrientes e o sistema imunológico, demonstrando uma relação relevante entre a deficiência nutricional e o risco de desenvolvimento de doenças infecciosas. Com essas descobertas, houve crescente aumento do interesse de imunologistas em estudar os efeitos da nutrição na função imunológica, aumentando também a atenção e priorização da nutrição em pacientes hospitalizados (1).

Posteriormente, não apenas a desnutrição demonstrou estar relacionada ao declínio imunológico, como também a inflamação sistêmica de baixo grau, ocasionada por mecanismos diversos, dentre eles o aumento da adiposidade corpórea, mais especificamente observada na obesidade, fortificando assim a estreita necessidade de comunicação dessas duas áreas de pesquisa (4).

Historicamente, o suporte imunológico por micronutrientes foi densamente baseado na deficiência de vitaminas C e D, mas hoje já se sabe que vitaminas e minerais como vitaminas A, E, B2, B6, B12, ácido fólico, ferro, zinco e selênio também são essenciais para a imunocompetência (2). 

Artigos publicados na revista Nutrients, nos anos de 2018 e 2020, mostram que cada um desses nutrientes possui papéis específicos no sistema imune inato e adaptativo, dentre os quais podemos destacar inicialmente:

  • a eficiência de ação antioxidante contra espécies reativas de oxigênio e nitrogênio (radicais livres);
  • o aumento dos níveis séricos de anticorpos;
  • o auxílio na manutenção da integridade estrutural e funcional das células da mucosa em barreiras inatas, como pele, intestino e trato respiratório.

Além disso, os nutrientes são importantes para proliferação e diferenciação dos linfócitos T, que fornecem defesa contra várias infecções causadas por microrganismos intracelulares e linfócitos B, responsáveis por garantir a imunidade humoral e neutralizar ou ainda destruir os antígenos (2) (3).

Quantidades adequadas de nutrientes são fundamentais para o funcionamento das barreiras físicas e das células imunes, mas a ingestão diária necessária de micronutrientes para esse suporte acontecer pode ultrapassar as recomendações dietéticas indicadas pela Recommended Dietary Allowance (RDA) em ocasiões específicas, e pode ser suprida, na maioria das vezes, através de suplementação específica de acordo com o estágio da vida (2) (3).

Sendo o alimento, muito mais do que um macro ou micronutriente, mas sim um complexo composto de nutrientes, substâncias bioativas, sabor, textura e conforto, a nutrição tem um papel importante na imunologia, o de estabelecer não apenas quais vitaminas ou minerais consumir, mas sim, a construção e orientação de um padrão alimentar equilibrado, em todos os ciclos da vida, que possa sustentar todo esse sistema imunológico desde sua formação e funcionamento e até mesmo frente a patologias. 

Importante lembrar que comemos todos os dias refeições inteiras, com diversos alimentos, que interagem em digestão, absorção e utilização entre si, e que, portanto, uma refeição equilibrada e adequada ao estágio de vida e condição fisiológica é essencial à saúde física, mental e imunológica. 


Texto escrito por Isabela Bozza e Roberta Carbonari – Nutricionistas 

Referências

  1. Gerald T. Keusch, The History of Nutrition: Malnutrition, Infection and Immunity, The Journal of Nutrition, Volume 133, Issue 1, January 2003, Pages 336S–340S, https://doi.org/10.1093/jn/133.1.336S
  • Gombart AF, Pierre A, Maggini S. A Review of Micronutrients and the Immune System-Working in Harmony to Reduce the Risk of Infection. Nutrients. 2020 Jan 16;12(1):236. doi: 10.3390/nu12010236. PMID: 31963293; PMCID: PMC7019735.
  • Maggini S, Pierre A, Calder PC. Immune Function and Micronutrient Requirements Change over the Life Course. Nutrients. 2018 Oct 17;10(10):1531. doi: 10.3390/nu10101531. PMID: 30336639; PMCID: PMC6212925.
  • Johnson AR, Milner JJ, Makowski L. The inflammation highway: metabolism accelerates inflammatory traffic in obesity. Immunol Rev. 2012 Sep;249(1):218-38. doi: 10.1111/j.1600-065X.2012.01151.x. PMID: 22889225; PMCID: PMC3422768.

A pandemia de COVID-19 no Brasil: o que está acontecendo na linha de frente

A pandemia de COVID-19 provou a resiliência de comunidades em todo o mundo, especialmente em países despreparados em termos de uma variedade de aspectos, como infraestrutura, tecnologia e educação. Uma das maiores economias no mundo, o Brasil como país emergente tem enfrentado este grande desafio. O número de mortes e os danos econômicos resultantes da pandemia são explicitamente merecedores da atenção do governo, indústria e academia.

Essa pandemia provou ao Brasil e ao mundo o quanto repercute uma falência no sistema de saúde –  não há gerenciamento de saúde perfeito quando se trata de uma doença que também pode afetar aqueles que não estão infectados por ele: a necessidade de confinamento e uma mudança de hábito levou à escassez de alimentos, desemprego e transtornos mentais. A velocidade, a forma de transmissão de informações e o advento das chamadas fake news têm aumentado os casos de estresse e ansiedade em relação à doença e suas consequências. O isolamento imposto pela doença já foi chamado de “o maior experimento psicológico de Van Hoof no mundo” (Lima, 2020) [1]).

Estima-se que o comprometimento psicológico gerado pelo COVID-19 esteja entre um terço e metade da população, se não receberem cuidados adequados. Obviamente, o número de pessoas afetado psicologicamente pela pandemia é maior do que o número de pessoas infectadas pelo próprio vírus.

Profissionais de saúde e áreas afins como motoristas, equipe de limpeza e administração hospitalar também são classificados como grupos de risco mental devido ao medo constante de infecção e morte.

Infelizmente, apesar de uma pandemia de medo e estresse gerado pelo coronavírus, ainda carece de números que possam avaliar grupos populacionais específicos. Algumas medidas foram tomadas a fim de minimizar ou tratar tais condições – algumas sociedades, como as Universidades de psicanálise, estabeleceram-se online grupos de serviço para servir a população em geral. O Ministério da Saúde do Brasil anunciou a criação do programa que oferece suporte com teleconsultas aos profissionais da linha de frente no combate à epidemia.

O conselho regional de enfermagem de São Paulo disponibilizou um chat para auxiliar e apoiar o processo mental dos profissionais de saúde. Tais ferramentas mostram-se úteis para minimizar os danos causados ​​aos profissionais de saúde que atuam na vanguarda nesta pandemia (Angelo et al., 2020 [2]; Duarte et al., 2020 [3]).

A pandemia também trouxe instabilidade política e polarização entre os partidos, discussões sobre tratamento e falta de respaldo científico: em pouco tempo, o Brasil fez duas trocas de ministros de Saúde com opiniões divergentes e estratégias de enfrentamento levando ao descontentamento da sociedade pela falta de clareza de informações sobre a pandemia e as perspectivas futuras (Angelo et al., 2020 [2]).

A mudança econômica gerada pela COVID-19 foi abrupta e trouxe números desanimadores. Atualmente as estimativas econômicas apontam, por exemplo, para uma queda do PIB em 2020 para 7,7%. Confirmando este número, será a pior recessão econômica da história do país. Atualmente, a desvalorização acumulada de a moeda brasileira é 45%. Em abril deste ano, o pedido de seguro-desemprego era de 39%.

O desemprego atinge uma taxa de 12,8% com um número catastrófico de 12 milhões de desempregados. Outro dado que fala a favor da recessão é a retração da produção industrial, que variou entre os estados, apresentando um valor total do país de 9,1% no mês de março.

Ainda não há dados para avaliar as mudanças ambientais geradas pela pandemia no Brasil, no entanto globalmente sabemos que apesar da redução discreta nas taxas de emissão de CO2, as empresas de petróleo buscam incentivos dos governos para manter sua produção a fim de minimizar os impactos econômicos e eles podem compensar negativamente as taxas de poluição uma vez reduzidas no início da pandemia (Revista Exame, 2020 [4]).

Apesar de todas as mudanças e impactos negativos causados ​​pela pandemia no Brasil, devemos considerar alguns impactos positivos na área da saúde, tais como: maior investimento em pesquisas clínicas, principalmente relacionadas ao desenvolvimento de vacinas, medicamentos e métodos diagnósticos, bem como o desenvolvimento de tecnologias em saúde como implantação da telemedicina em grande parte do país.

Ainda estamos muito longe de conseguir o controle da situação atual, mas esperamos que uma maior integração entre as diferentes esferas da sociedade, tanto do setor público quanto do privado, pode resultar em soluções que ajudem no enfrentamento de eventos de alto impacto como a pandemia.

Referências:

[1] Lima, Rossano Cabral. (2020). Distanciamento e isolamento sociais pela Covid-19 no Brasil:  impactos na saúde mental. Physis:  Revista de Saúde Coletiva, 30(2), e300214. Epub Julho 24, 2020. https://doi.org/10.1590/s0103-73312020300214

[2] Angelo, Jussara Rafael, Leandro, Bianca Borges da Silva & Perissé, André Reynaldo Santos. (2020). Fiocruz.2◦Boletim Epidemiológico da COVID-19 nas favelas. https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/

[3] Duarte, Miguel de Quadros, Santo, Manuela Almeida da Silva, Lima, Carolina Palmeiro, Giordani, Jaqueline  Portella,  &  Trentini,  Clarissa  Marceli.  (2020).  COVID-19  e  os  impactos  na  saúde  mental: uma amostra  do  Rio  Grande  do  Sul,  Brasil.  Ciência  &  Saúde  Coletiva,  25(9),  3401-3411.  Epub  Agosto 28, 2020. https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.16472020

[4] REVISTA EXAME. (2020). 6 números mostram o dramático impacto do coronavírus na economia. Maio 16, 2020. Acesso:  Nov 10, 2020. Link:  https://exame.com/economia/6-numeros-mostram-o-dramatico-impacto-do-coronavirus-na-economia/

Leia o texto na íntegra: A. Isidoro Ferreira Prado, A. Karolina Barreto Berselli Marinho, C. Chaves Gattaz, W. Mendes-Da-Silva The COVID-19 pandemic in Brazil: what is happening on the front line. Transdisciplinary Journal of Engineering & Science online Vol. 12 (Short Letter), pp. 1-2, 2021. doi:  10.22545/2021/00146

Quando a vida voltará ao “normal”?

Infelizmente a pandemia pelo SARS-CoV-2 ainda está longe de terminar. O número de casos no Brasil vem aumentando progressivamente desde dezembro de 2020 em decorrência das baixas taxas de isolamento social.

A necessidade de retomada das atividades econômicas e o descuido por parte da sociedade em manter o isolamento social e voltar as atividades recreativas contribuiu muito para a ascendência do número de casos que chegou a 7.733.746 no dia 03 de janeiro de 2020 no Brasil. (consulta em 03/01/2021 https://covid.saude.gov.br/)

Até o momento, não existe um tratamento curativo para a doença que seja comprovado cientificamente. Pesquisas no mundo inteiro tem o objetivo de encontrar uma droga efetiva para as pessoas infectadas evitando hospitalizações e mortes. Ao mesmo tempo, medicamentos e testes para auxílio diagnóstico estão em progresso. Vacinas foram testadas e já estão disponíveis para a população em alguns países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Israel. Devido ao conhecimento prévio sobre todo o desenvolvimento de vacinas, novas tecnologias, investimento financeiro e científico foi possível a obtenção em tempo recorde de vacinas seguras e eficazes para prevenir a infecção pelo SARS-CoV-2.

O Brasil tem um dos maiores programas de imunizações públicos do mundo, o PNI (Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde). O programa é responsável por um grande sucesso na prevenção de doenças infectocontagiosas no país desde a década de 70.

Doenças como poliomielite, sarampo, coqueluche, tétano e febre amarela estiveram controladas por muito tempo evitando milhares de mortes em crianças, adultos e idosos.

Tal programa, conjuntamente com os estados, municípios e órgãos de apoio, será responsável por delinear a estratégia de vacinação contra a COVID-19 para os brasileiros desde a aquisição, distribuição, aplicação e coleta de dados no primeiro trimestre de 2021. Após a aprovação da ANVISA, a distribuição das vacinas será organizada e disponibilizada por grupos prioritários. Pessoas mais vulneráveis a evoluírem com doença grave e morte (idosos) e grupos mais expostos (profissionais de saúde) serão os primeiros a receberem a vacina. Espera-se que dentro de 12 meses
toda a população brasileira seja vacinada.

Os serviços privados de vacinação também poderão participar do processo de imunização dos brasileiros contra a COVID-19 após o estabelecimento de regras pelos órgãos regulatórios. https://www.gov.br/saude/ptbr/media/pdf/2020/dezembro/16/plano_vacinacao_versao_eletronica.pdf

Um outro questionamento frequente é: depois da vacinação, quando a vida voltará ao “normal”?

Mesmo após a vacinação medidas de controle como uso de máscaras, lavagem das mãos e algum grau de distanciamento social será necessário até que tenhamos dados seguros de que a doença estará controlada. O vírus continuará circulando entre nós, porém causará doença em um número bem menor de pessoas. Desse modo, o investimento em melhores testes diagnósticos e medicamentos ainda serão necessários.

A pandemia da COVID-19, além de todas os prejuízos óbvios para a sociedade, trouxe reflexões profundas sobre a importância do investimento na ciência e a necessidade de autonomia do país em desenvolver os seus próprios produtos. Mais importante do que conseguir importar vacinas para a população é garantir a capacidade nacional do desenvolvimento de imunizantes, medicamentos, insumos e métodos diagnósticos.

Ainda estamos longe de conseguir o controle da atual situação, mas esperamos que a maior integração entre as diversas áreas da sociedade, incluindo os setores públicos e privados, resultem em soluções que auxiliem no enfrentamento da pandemia.

É fundamental que o sistema imune trabalhe em harmonia

O mundo é povoado por micro-organismos que podem ou não causar doenças e contém uma quantidade imensa de substâncias tóxicas ou alergênicas que ameaçam o equilíbrio natural do organismo humano. 

O homem (hospedeiro) deve tolerar ou reagir aos micro-organismos através do sistema imunológico. 

Os germes possuem diversos mecanismos pelos quais se replicam, disseminam e ameaçam as funções normais do corpo humano. Ao mesmo tempo em que o sistema imunológico se encarrega de eliminar micróbios nocivos e proteínas alergênicas, ele deve evitar respostas que produzam danos excessivos aos próprios tecidos (doenças autoimunes) ou que possam eliminar micróbios benéficos. 

O sistema imunológico é composto por um conjunto integrado de moléculas, células e órgãos que formam uma complexa rede envolvida na defesa do organismo. Este sistema protege a pele, os tratos respiratório, digestório e outras regiões do organismo em contato com antígenos estranhos, como micróbios (bactérias, fungos e parasitas), vírus, células tumorais e toxinas. Esta defesa é dividida em resposta imune inata e resposta imune adaptativa. 

A imunidade inata representa a primeira linha de defesa contra um patógeno intruso. Ela consiste em mecanismos de defesas celulares e bioquímicos que reage a estruturas presentes em grupos de microorganismos. A resposta imune inata do hospedeiro ocorre imediatamente ou horas após o contato com o patógeno. 

A imunidade adaptativa envolve um tempo mais prolongado entre a exposição ao antígeno e a resposta máxima. A marca da imunidade adaptativa é a capacidade para memória imunológica. Esta característica capacita o hospedeiro a montar uma resposta imune mais rápida e mais eficiente quando ocorre uma nova exposição aos patógenos. 

Todas as células e proteínas do sistema imune precisam trabalhar em harmonia para garantir que o indivíduo esteja em equilíbrio com a saúde. Fatores como estresse, poluição, privação do sono, desnutrição, entre outros, podem interferir quebrando este equilíbrio.

Referência: Abbas, Imunologia Celular e Molecular. Propriedades e visão geral das respostas Imunes. Capítulo 1. Edição 9ª, 2019.